A
greve, porque provoca uma alteração no cotidiano, gera as mais diversas reações
de contrariedade, sobretudo daqueles que, de certo modo, são atingidos por ela.
Boa
parte da inteligência humana, por conseguinte, durante muito tempo foi voltada
para limitar o exercício da greve. Com o necessário aprimoramento da estrutura
democrática, chegou-se à concepção da greve como um direito dos trabalhadores.
Mas, a mera consideração da greve como direito não é suficiente para que se
compreenda a importância e o alcance social da greve, causando-lhe limites
indevidos.
Não
que direitos não possam ter limites, mas no caso da greve os limites impostos
podem gerar a consequência paradoxal de impedir-lhe o efetivo exercício. O
direito de greve, assim, pode ser negado pelo próprio direito.
A
bem compreender, a greve não é um modo de solução de conflitos e sim uma forma
pacífica de expressão do próprio conflito. Trata-se de um instrumento de
pressão, legitimamente utilizado pelos empregados para a defesa de seus
interesses.
Em
uma democracia deve-se abarcar a possibilidade concreta de que os membros da
sociedade, nos seus diversos segmentos, possam se organizar para serem ouvidos.
A greve, sendo modo de expressão dos trabalhadores, é um mecanismo necessário
para que a democracia atinja às relações de trabalho.
Na
ordem jurídica atual conferiu-se aos trabalhadores, no choque de interesses com
o empregador, o direito de buscarem melhores condições de trabalho, recriando,
a partir da solução dada, a própria ordem jurídica. Um ato que ao olhar do
direito civil tradicional seria considerado uma ilegalidade, pois conspira
contra o direito posto, na esfera trabalhista, inserido no contexto do Direito
Social, ganha ares de exercício regular do direito.
No
Direito Social, ou melhor, na formação do Estado Social de Direito, os valores
humanísticos desenvolvidos na experiência do convívio social foram incorporados
ao direito como valores jurídicos de caráter genérico (direito à vida, por
exemplo). O próprio ordenamento reconhece que essas expressões normativas de
caráter genérico requerem concretização e isso somente pode se dar em hipóteses
determinadas. Assim, quando o ordenamento jurídico trabalhista confere aos
trabalhadores a possibilidade de se rebelarem contra o direito contratualmente
posto, para reconstrução dos limites obrigacionais, não se está, propriamente,
estabelecendo uma contradição dentro do sistema, que exporia o Direito do
Trabalho à condição de um anti-direito, muito ao contrário, o que se permite é
uma possibilidade concreta de se tornarem reais as “promessas” contidas nas
fórmulas genéricas do Estado Social.
Pode-se
imaginar que essa “luta” por melhores condições de trabalho seja mais uma
questão sociológica que jurídica, pois a todas as pessoas, mesmo nas relações
civis, é dada a liberdade para defenderem seus interesses e a partir daí
firmarem relações jurídicas que atendem a tais interesses. A diferença é que no
Direito do Trabalho essa “luta”, ela própria, é garantida pelo direito,
resultando na formação, institucional de um direito à luta pelo direito.
Interessante
perceber, ainda, que a consagração pelo próprio direito da possibilidade de se
reconstruir, em situações concretas, a ordem jurídica, representa um relevante
fator de estabilização das relações sociais, pois permite sua constante
evolução, evitando, assim, a solução mais comum quando os interesses, sobretudo
econômicos, entram em conflito com o conteúdo obrigacional, fixado no contrato,
que é a da cessação do vínculo, sendo de se destacar que no contexto coletivo
mais amplo a impossibilidade de composição dos conflitos pode gerar o completo
desajuste social.
Importante,
também, destacar que a abrangência desse direito não se limita à reavaliação
das normas contratuais estabelecidas. Integra-lhe, igualmente, a lacuna (o
vazio), ou seja, o que não fora fixado em cláusulas específicas, já que o vazio
não é apenas um nada, e sim a ocupação de um lugar daquilo que lá poderia
estar. Trata-se de uma regulação específica, quando necessária, de um valor
jurídico de caráter genérico.
Deve-se
recordar, ainda, que o Estado Social, ao considerar os trabalhadores como
classe e atraí-los, nessa configuração, para o contexto social, conferiu-lhes o
direito de defenderem os seus interesses, o que se traduziu juridicamente como o
princípio da constante melhoria da condição social e econômica da classe
trabalhadora, que se insere no conceito mais amplo de justiça social e que
representa a parcela mais importante do compromisso firmado pelos detentores do
poder, no período pós segunda guerra mundial, de desenvolverem um capitalismo
socialmente responsável.
É
assim, portanto, que o Direito permite aos trabalhadores defenderem, por meio
da greve, os interesses que considerarem relevantes para a melhoria da sua
condição social e econômica até mesmo fora do contexto da esfera obrigacional
com um empregador determinado.
A
greve vista, pela ótica do Direito Social, consequentemente, é um instrumento a
ser preservado. Ao direito não compete limitá-la e sim garantir que possa ser,
efetivamente, exercida e a forma mais rudimentar de cumprir esse objetivo é não
impor aos trabalhadores o sacrifício do próprio salário do qual dependem para
sobreviver. O direito não pode meramente fixar os contornos de um jogo no qual
quem pode mais chora menos. O que o direito deve fazer é permitir que o jogo
seja jogado, atribuindo garantias aos trabalhadores para que o valor
democrático possa ter um sentido real.
Oportuno
registrar que muitas das pessoas que hoje abominam a greve não se recordam que
as garantias jurídicas de natureza social que possuem, aposentadoria,
auxílio-doença, licenças, férias, limitação da jornada de trabalho etc. etc.
etc., além de direitos políticos como o voto e a representação democrática das
instituições públicas advieram da organização e da reivindicação dos movimentos
operários.
Negar
aos trabalhadores o direito ao salário quando estiverem exercendo o direito de
greve equivale, na prática, a negar-lhes o direito de exercer o direito de greve, e isto não é um mal
apenas para os trabalhadores, mas para a democracia e para a configuração do
Estado Social de Direito do qual tantos nos orgulhamos!
Conforme
Ementa, da lavra de Rafael da Silva Marques, aprovada no Congresso Nacional de
Magistrados Trabalhistas, realizado em abril/maio de 2010: “não são
permitidos os descontos dos dias parados no caso de greve,salvo quando ela é
declarada ilegal. A expressão suspender, existente no artigo 7 da lei 7.783/89,
em razão do que preceitua o artigo 9º. da CF/88, deve ser entendida como
interromper, sob pena de inconstitucionalidade, pela limitação de um
direito fundamental não-autorizada pela Constituição federal”.
Ora,
se a greve é um direito fundamental não se pode conceber que o seu exercício
implique o sacrifício de outro direito fundamental, o da própria sobrevivência.
Lembrando-se que a greve traduz a própria experiência democrática da sociedade
capitalista, não se apresenta honesto impor um sofrimento aos trabalhadores que
lutam por todos, que, direta ou indiretamente, se beneficiam dos efeitos da
greve.
É
importante destacar esse aspecto da contrariedade pessoal que se possa ter em
face das greves (que é, como dito, totalmente injustificável), pois é, afinal,
essa visão negativa da greve, advinda de preocupações individualistas, que
motivam as interpretações limitadoras do direito de greve.
Por Jorge Luiz Souto Maior
Lei na íntegra: http://www.ajd.org.br/artigos_ver.php?idConteudo=57
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