65% dos brasileiros acham que mulher de roupa curta merece ser atacada
BRASÍLIA - Um estudo feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) retrata o quanto a violência contra a mulher ainda é tolerada no País. A maioria dos brasileiros considera que merecem ser atacadas aquelas que usam roupas que revelam o corpo. Também é majoritário o grupo que acredita que, "se a mulher soubesse se comportar", as estatísticas de estupro seriam menores.
Os resultados provocaram espanto entre os próprios autores da pesquisa. A violência contra a mulher, avaliam, é vista como forma de "correção". A vítima teria responsabilidade - por usar roupas provocantes ou por não se comportar do modo "desejado". "Mais uma vez, tem-se um mecanismo de controle do comportamento e do corpo das mulheres da maneira mais violenta que possa existir", dizem os autores da pesquisa.
A tolerância à violência não está ligada a características populacionais. Mas autores do trabalho consideram que algumas condições, como morar em metrópoles, ter escolaridade mais alta e ser mais jovem podem reduzir o risco desse tipo de comportamento. Para os pesquisadores, o fator preponderante para a tolerância é a adesão a determinados valores. Pessoas que acreditam que o homem deve ser o cabeça do lar, por exemplo, estão mais propensas a achar que a violência, em muitos casos, se justifica.
"É a ideia da mulher honesta, que ainda persiste no País", afirma a secretária de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, Aparecida Gonçalves. Embora a tolerância à violência esteja muito presente, o discurso do brasileiro não é linear. Dos entrevistados, 91% concordam total ou parcialmente com a ideia de que homem que bate na mulher deve ir para a cadeia. Outros 89%, por sua vez, dizem não concordar com a afirmação de que o homem possa xingar ou gritar com a própria mulher.
A cultura machista fez a moradora da zona leste de São Paulo Maria (que pediu para não ter o sobrenome revelado) se calar sobre as agressões físicas do marido durante nove anos de casamento. "Ele quebrava tudo dentro de casa, mas demorei a falar para a polícia e a família", relata a dona de casa. "Tinha medo e não sabia se contar era certo. Até que um dia resolvi denunciar", relata. Segundo ela, a falta de autonomia, principalmente financeira, é responsável pelo silêncio da maioria.
Estupros. O Ipea traçou também um retrato da vítima de violência sexual. Conduzido por Daniel Cerqueira e Danilo Coelho, o trabalho analisou registros do sistema de agravos de notificação, que capta dados de atendimentos em serviços públicos de saúde. Foram analisados cerca de 12 mil casos, referentes a 2011. "É uma amostra. Pelas projeções do Ipea, no ano passado ocorreram no País 527 mil estupros", diz Cerqueira.
Os números analisados mostram que mais da metade das vítimas tinha menos de 13 anos de idade. "É um dado absolutamente alarmante", avalia. O trabalho identificou também que 15% dos estupros registrados foram cometidos por dois ou mais agressores. "Ficamos chocados quando ouvimos histórias de estupros coletivos na Índia. O fato é que enfrentamos o mesmo problema no nosso quintal." / COLABOROU VICTOR VIEIRA
54,9% acreditam que existe 'mulher para casar e outras para levar para cama', diz pesquisa
A pesquisa feita pelo Ipea estampa também o quanto a sociedade brasileira é sexista. Mais da metade dos entrevistados concorda com a visão de que "há mulheres feitas para casar e outras para levar para cama". Também surpreende os porcentuais daqueles que acreditam, total ou parcialmente, que mulher casada deve satisfazer sexualmente o marido, mesmo quando não tem vontade: 38,5% concordam total ou parcialmente com essa afirmação.
Além disso, quase 64% dos entrevistados acham que "homens devem ser a cabeça do lar". Também a maioria (79%) concordou total ou parcialmente com a ideia de que "toda mulher sonha em se casar". Algo que, para os autores, estampa a noção estereotipada sobre desejos e ideais das mulheres.
O pensamento não destoa da condescendência apresentada pelos brasileiros em relação às brigas familiares. Embora digam que lugar de agressor de mulher é na prisão, a maioria (82%) dos entrevistados concorda com a frase de que "o que acontece com o casal em casa não interessa aos outros". Nessa linha, 78,7% dizem que "em briga de marido e mulher não se mete a colher" e 89%, que "roupa suja se lava em casa".
Serviço insuficiente. A secretária de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres, Aparecida Gonçalves, observa a frágil estrutura existente para amparar a mulher que recorre aos serviços públicos para ver punido o seu agressor. "Há 521 delegacias e espaços de atendimento. Um número insuficiente", observa. Ela lembra também que boa parte dos serviços está concentrada em determinadas regiões. Como exemplo, cita o caso do Rio. O Estado dispõe de nove serviços especializados - dos quais sete estão na capital.
"É preciso ter um sistema de atendimento. Um órgão sozinho não conta. Hospitais precisam estar preparados para fazer o atendimento, coletar vestígios de violência sexual para que, se necessário, eles possam, em uma outra etapa, serem avaliados pelos peritos", afirmou Aparecida.
Fonte: Estadão
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