Quem disse que o setor público é o único responsável pela
qualidade do ensino no país? Acreditando que a população tem um peso
fundamental para cobrar melhorias na área, um grupo de dez jovens brasileiros,
a maioria deles com passagem por Harvard, nos EUA, criou um manifesto que
aponta os principais gargalos e desafios da educação pública no Brasil.
Intitulado de Mapa do Buraco, o documento busca mobilizar a discussão sobre
a qualidade da educação em diversos setores da sociedade.
Elaborado a partir de entrevistas com mais de cem lideranças
nacionais, entre eles o empresário Jorge Paulo Lemann e o ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, o documento aborda temas como a carreira
docente, currículo, déficit educacional, gestão e investimento. Segundo o
relatório, embora o país tenha avançado para universalização do ensino
fundamental e médio nas últimas décadas, os resultados de avaliações
educacionais ainda apontam para a falta de equidade e qualidade na educação
pública brasileira.
Distante de propor diretrizes ou planos de longo prazo, o
manifesto busca tratar o tema como uma necessidade urgente. “As pessoas tendem
a pensar na educação como um problema de longo prazo. Não é para amanhã. É para
agora. O documento mostra essa urgência e a população tem um papel absoluto
para promover essa mudança”, defendeu a Lígia Stocche, 24, estudante de
engenharia de materiais na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e uma
das integrantes fundadoras do movimento.
De acordo com ela, que já estudou em Harvard e no MIT, o
manifesto parte exatamente dessa necessidade de conscientizar a sociedade de
que os problemas e desafios da educação são uma responsabilidade de todos. No
documento, o setor público, a sociedade civil, os professores e representantes
de ONGs, fundações e centros de pesquisa são apontados como os principais
agentes de mudança, exemplificando e delimitando a atuação de cada um. “Se você
entende a sua responsabilidade nisso, você faz alguma coisa. A partir do
momento que população cobra, faz e pede, [o assunto] se torna algo mais
discutido”, defendeu Stocche.
Desenvolvido de forma apartidária, o documento também pretende
pautar as discussões políticas e eleitorais. Após mobilizar a população sobre a
importância do tema, os jovens idealizadores devem entregar o manifesto para
candidatos à presidência e aos governos estaduais. “A gente tem a
esperança que pessoas das mais distintas posições [políticas] e opiniões venham
abraçar a causa.”
Resistências e caminhos
Um dos aspectos mencionados no Mapa do Buraco é importância de
atrair o jovem para a escola. Segundo o documento, “o modelo atual apresenta um
currículo sobrecarregado e pouco atrativo.” Diante desse cenário, a resistência
a mudanças é um dos caminhos que deve ser superado pela educação brasileira. O
documento ressalta a necessidade de trabalhar com um modelo de escola que
atenda as necessidades do século 21, levando em consideração as transformações
tecnológicas e a forma como as pessoas estão se apropriando das informações e da
educação.
“A partir do momento que o jovem vê a educação como um caminho,
ele já se sente mais motivado. A gente precisa mostrar que educação é um
caminho que pode levar ele muito longe. O ensino médio costuma ter uma evasão
muito alta porque os jovens não enxergam [a escola] como um caminho para levar
a outros lugares.”
Cases de sucesso
Para mostrar que é possível promover mudanças na educação
pública brasileira, o relatório traz o exemplos de escolas e municípios que
conseguiram melhorar os resultados de aprendizado entre os seus alunos. Um dos
casos citados é o Programa Escolas do Amanhã, criado pela Secretaria Municipal
de Educação do Rio de Janeiro, que utiliza um novo modelo de gestão de
parcerias para integrar a comunidade e o cotidiano como uma extensão do espaço
escolar. No total, a iniciativa abrange 155 escolas de ensino fundamental que
estão localizadas em áreas recém-pacificadas da cidade.
Outro exemplo apresentado é o do Programa Alfabetização na Idade
Certa, implantado no município de Sobral, no Ceará, e expandido para todo o
estado em 2007. Quando a iniciativa assumiu âmbito estadual, em 2007, 32%
de alunos cearenses no 2o ano do ensino fundamental não tinham sido
alfabetizados. Após cinco anos, com o oferecimento de materiais pedagógicos e o
investimento na formação de professores, a porcentagem de alunos não
alfabetizados caiu para 2.1%. “Muita gente nem sabe que existem casos de
sucesso na educação pública brasileira”, destacou Lígia Stocche.
Para acompanhar as discussões sobre o tema, os jovens lançaram
uma página no Facebook, onde divulgam informações e vídeos com
depoimentos de entrevistados consultados para a composição do relatório.
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